VI
O briefing foi simples: Tanya havia ligado para o número protegido e pedido uma conversa olho-no-olho. Ela parecia nervosa. Dois agentes foram enviados para o restaurante, a fim de agirem como clientes normais do lugar e tentarem encontrar algum ângulo na situação que havia passado desapercebido pelo time. Tudo sugeria que aquele seria um contato simples, mas havia o risco de ser algum tipo de emboscada.
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Finnegan e George subiam o elevador em silêncio. As caixas de som tocavam uma música instrumental suave, mais fina do que as músicas baratas que tocavam em elevadores de hotel. A dupla de investigadores tinha muito em comum: ambos vinham de um histórico militar, e haviam abraçado aquele jeito pragmático, direto ao ponto, tão típico de quem já viu o pior que o mundo tem a oferecer. Para Finnegan, George seria o parceiro de investigação perfeito, não fosse seu jeito tão inglês.
George testou a escuta escondida no terno. Tudo funcionava bem.
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"Você fala?", perguntou Finnegan.
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"Mete bala. Ela vai mais com a sua cara"
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"É difícil nascer bonito"
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"Cala a boca"
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A porta do elevador se abriu e a música do restaurante tomou as rédeas da atmosfera, com o jazz que escapava do salão principal. Duas recepcionistas vieram até eles imediatamente para os aliviarem de seus sobretudos.
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Tanya os esperava em uma mesa um pouco mais isolada do resto dos assentos. O Chaopraya era um restaurante típico para aquele tipo de contato, porque o restaurante funcionava a meia-luz. Ainda assim, Tanya havia escolhido uma mesa particularmente afastada das principais fontes de iluminação do lugar. Suas feições eram iluminadas apenas pela chama tremeluzente das velas.
Finnegan sabia que tudo o que via em Tanya era falso. Os lábios, os seios, a cor do cabelo, a cor dos olhos. Ainda assim, ela conseguia harmonizar toda aquela falsidade em algo belo e delicado. Tanya era o tipo de mulher que exigia um segundo olhar, e sempre que a via ele notava algum detalhe diferente, que a tornava ainda mais complexa. Naquela noite ela se apresentava como uma mulher jovem e inocente, com ares de inexperiência, bem diferente do tipo de mulher que eles sabiam que ela era. Ela havia ajeitado o cabelo para que caísse sobre parte do rosto, escondendo suas feições em mistério.
Mesmo com todo o luxo, o nervosismo da modelo era evidente. Ela bebia o segundo drink, que virou de uma só vez ao vê-los se aproximar. Antes de se sentarem, Finnegan reconheceu os dois agentes do MI6 plantados no cenário, sentados em mesas opostas.
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"Cavalheiros, vamos devagar", falou Tanya, tentando emprestar algum tom de normalidade aos seus modos. "Dois de uma vez só exige mais de mim, e o preço fica mais salgado".
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Ambos sentaram diante dela. George manteve o silêncio. Vez ou outra olhava ao redor, procurando qualquer coisa fora do lugar. Conforme combinado, Finnegan foi quem iniciou a conversa.
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"Você sumiu. Achamos que o pior tinha acontecido"
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"Ficaram preocupados?"
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"Tanya. Nós estávamos esperando encontrar o seu corpo em algum lugar do Tâmisa. Ficamos a postos por horas, um setor inteiro esperando o seu contato. Fizemos uma força-tarefa para te encontrar nas ruas".
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A modelo não o olhava nos olhos. Tamborilava as unhas na mesa. O garçom se aproximou, e George pediu bebidas para todos, incluindo uma nova dose do que quer que ela estivesse bebendo. Tanya esperou que o garçom se afastasse.
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"Eu não tive coragem de ir"
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"Então você nunca saiu de Londres?"
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"Não. Mas Melina queria a grana então eu deixei ela ir no meu lugar"
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"Perdoa o meu francês", falou George. "Mas o que caralhos você achou que podia acontecer? A gente tinha um time inteiro te dando cobertura".
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Tanya brincava com o copo vazio, mas os olhos dançavam pelo salão. Vez ou outra olhava para o copo, como se de um momento para o outro alguma mágica poderia ter feito com que o drink não tivesse acabado, afinal, e ela pudesse beber mais um gole.
Finnegan captou seu rosto em um ângulo diferente. Havia algo de errado com o olho que ela cobria com o cabelo. Ele tocou a mecha tão suavemente que Tanya, apesar de congelar no primeiro momento, permitiu que ele continuasse. Havia um corte no supercílio e uma rouxidão recente.
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"Não é nada. Eu tinha que voltar a trabalhar. Tenho que pagar as contas"
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"Cliente?"
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"Você sabe que não. Emmet. Ele não gostou que eu troquei de lugar com a Melina sem avisar. Mas já falei que não é nada"
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O garçom se aproximou novamene e Tanya afastou o rosto, voltando a se mascarar por trás do cabelo. Três bebidas foram postas sobre a mesa.
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"Então, quer contar a história para nós?", falou Finnegan.
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Tanya, que antes parecia tão ansiosa para beber, agora brincava com o copo de dry martini.
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"Eu falei pra vocês. Eu vivo falando que essas pessoas são perigosas. Não no sentido normal da coisa. Eu reconheço gente violenta ou com más intenções, quando vejo. Dá pra notar. Mas essa gente é perigosa de outro jeito. Não sei se vocês iam conseguir me ajudar, se eu realmente precisasse de ajuda"
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Finnegan e George escutavam com atenção. Em uma sala de operações do MI6, em um setor desconhecido pelo público, um pequeno time monitorava a cena. Tanya bebericou um pouco do martini.
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"Quando eu vi a quantidade de meninas que o Emmet tava mandando... era algum evento grande. E evento grande... pra esse pessoal... não sei não. Quero distância"
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"Nós sabíamos que o evento seria grande. Por isso toda a operação. Por isso te enchemos de escutas. Você estava com um gps. Equipamentos caros que você jogou fora em uma lixeira".
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Finnegan respirou fundo. Não estava ali para reclamar. Tanya o olhava com aquele ar inocente que ela fazia quando sabia ter feito algo de errado.
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"O que você achou que ia acontecer nesse evento, que te apavorou tanto?"
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"Sei lá. Sacrifício humano? Eu sei lá que porra que eles fazem"
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Tanya bebeu o resto do martini de uma só vez.
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"Você nos chamou aqui só para isso?", falou George. "Só para dizer que está viva e repetir o que já sabemos?"
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A modelo abriu a bolsa e pegou o celular. Ao fundo, o saxofone introduzia uma nova música. Risadas, conversas e o tilintar de taças acompanhavam a melodia enquanto Tanya tocava a tela do aparelho, procurando algo.
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"Aqui", ela disse, e virou a tela para eles. Era o mapa do Reino Unido, com o zoom focado em uma área montanhosa. Um pin marcava um ponto de interesse, em um vale no meio de uma reserva florestal. A modelo olhava para a tela com certo nervosismo. Finnegan notou que o seu lábio inferior se comprimiu. Ela segurava o choro.
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"Antes de Melina ir, eu pedi pra ela dividir a localização dela comigo. Esse foi o último lugar que eu peguei".
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George tirou uma foto da tela com o próprio celular. Então pediu as coordenadas, que ela ditou, número por número.
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"Ela não voltou?", perguntou Finnegan.
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"Eu ainda não vi nenhuma das meninas depois daquele dia. Não as que foram".
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"É por isso que você está com tanto medo?"
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"Eu não sei se eles têm meu nome escrito em algum lugar, se eles tavam esperando me ver e viram a Melina no meu lugar, e agora tão me procurando por aí. Emmet fala que isso não faz sentido, que ele não dá lista de nomes pra ninguém, mas sei lá. Vai que o diabo falou meu nome pra eles"
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"Você sabe que pode pedir custódia protetiva se quiser"
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"Eu tô pensando em sair da cidade por um tempo. Tenho um lugar pra ficar em Manchester"
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"Manchester não é exatamente longe daqui..."
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"Bem, senhor irlandês, se você não tiver um lugarzinho pra mim na sua terra natal, Manchester é o mais longe que eu consigo ir e ainda ganhar um trocado"
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"O lugar é uma hora e meia de carro daqui", falou George, referindo-se ao mapa que Tanya havia fornecido.
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Finnegan seguia muitas linhas de raciocínio simultâneas. Sem notar, permitiu que o silêncio na mesa se prolongasse.
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"Por favor, me diz que vocês vão lá procurar a Melina".
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"Nós vamos"
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"Então me liga quando a encontrarem".
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A modelo se levantou. O vestido elegante era revelador, ainda que mostrasse pouca pele. O tecido acompanhava as curvas do corpo. Tanya estava vestida para algum trabalho. Aparentemente, sua noite só estava começando.
"Eu tenho que ir agora"
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"A gente entra em contato", falou George.
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Tanya anuiu. Finnegan segurou seu braço.
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"Fala para o Emmet que da próxima vez que ele fizer isso com você, ele é um homem morto"
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Ela abriu um sorriso amuado, beijou-o no rosto, e partiu.
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Com a modelo fora do cenário, o lugar assumiu outra atmosfera. Finnegan estava agora sentado em uma mesa de restaurante, não em uma mesa de trabalho. Ele mudou de assento e foi para o outro lado, onde ela antes havia sentado, para conversar com George de frente. Deixou escapar um suspiro cansado. A música que tocava parecia mais viva agora, mais rica em detalhes.
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"Sério? Emmet é um homem morto?", falou George, soltando uma risada. "Ouviram isso? Mister Finn está fazendo aulas com o Denzel Washington agora".
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Na escuta, a equipe inteira soltou risadas. O próprio Finnegan riu. Os agentes que estavam no lugar pagaram suas contas e se retiraram, e a equipe foi dispensada. Não era uma emboscada, afinal.
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"Vai comer alguma coisa?", falou George.
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"O MI6 está pagando?"
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"Como se isso fizesse diferença"
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"Faz diferença no whisky que eu vou pedir"
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"Agora você falou a minha língua"
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Passara o resto da noite digerindo o que havia acontecido, e preparando os próximos passos da operação.
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