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Floresta assustador

VIII

    O relógio na parede da sala marcou a meia-noite, e Thomas ainda estava sentado no sofá, com as luzes apagadas e o convite nas mãos. A iluminação pública invadia o ambiente apenas o suficiente para que ele pudesse ler e reler o texto no papel.

    Por instinto, não havia fechado a janela, como se ela agora fizesse parte de uma cena criminosa. Minutos atrás ele havia recuperado a filmagem da câmera externa da sua casa, e o video só o deixou mais confuso. Fosse quem fosse a pessoa que realizou aquela pegadinha, sabia o que estava fazendo. Havia um espaço em branco na filmagem; o equipamento parou de funcionar justamente no momento em que o arrombamento aconteceu. Em um momento a câmera capturava o exterior da sua casa, a noite chuvosa e monótona em uma espécie de loop cotidiano de Londres. Então, estática. Quando o aparelho voltou a funcionar a janela da sala já estava aberta e o ato consumado.

   O que o intrigou não foi a falha no aparelho - pessoas com certa experiência em arrombamentos saberiam neutralizar uma câmera simples. O que realmente o deixava com a pulga atrás da orelha era que, pouco antes da falha, a câmera havia capturado alguma coisa. Um vulto; uma sombra de algo se aproximando, mas a aproximação vinha de cima, do telhado, e ele não conseguia imaginar alguém rápido o suficiente para descer daquela altura, abrir a janela trancada, deixar o bilhete sobre o sofá e sair em tão poucos segundos. A não ser que tivessem agido em grupo.

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    Mas, se fosse o caso, para quê tanto esforço apenas para entregar o convite para um funeral?

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    O caso era estranho demais para não ser dividido com Edward, seu amigo do fórum online de atividades paranormais. De qualquer forma, Edward era tão amigo de Isaac quanto ele, e se o convite fosse verdade, ele merecia saber da notícia. Como a noite já estava avançada demais, decidiu enviar apenas uma mensagem de texto. Quando pegou o telefone, porém, notou uma chamada não atendida do próprio Edward. Thomas estivera mergulhado demais nas próprias reflexões para ter notado  as vibrações do celular.

    Por alguns minutos, o mundo foi pintado de vermelho. Edward estava acostumado com a cena e o processo. Para ele, revelar fotos era um misto de terapia e hobby. A luz vermelha mal iluminava o laboratório, como a noite banhada por uma lua de sangue.

    Sequer havia tentado dormir naquela noite. Sabia que não conseguiria, não após ter lido o convite. Como Thomas não havia atendido a sua ligação - provavelmente já estaria dormindo - dedicou-se a revelar a foto que havia tirado antes.

    O telefone tocou no escritório. No papel fotográfico, a imagem ainda ganhava nitidez. Deixou o processo seguir naturalmente e foi atender a ligação. Era Thomas, retornando a sua chamada de quase uma hora atrás. Em poucos minutos os amigos atualizaram um ao outro sobre os acontecimentos daquela noite. Após a troca inicial de informações, a dupla de investigadores digeria os fatos em silêncio. Na janela de seu escritório, Edward observou a noite que se recuperava da chuva recente.

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    "Acha que essa carta é verdade?", perguntou.

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    "Eu não entendo porquê todo esse esforço para entregar um convite de funeral"

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    "Uma brincadeira dele, então? Isaac nunca foi de pregar peças assim. Ele some por seis meses e volta com uma pegadinha?"

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    "Não sei. Pode ser uma armadilha, também. Alguma espécie de esquema elaborado para nos levar para algum lugar isolado. O modus-operandi é comum: a carta é urgente, faz que tomemos decisões precipitadas"

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    "Armadilha? Acha que estão tentando nos sequestrar?"

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    "Não sei. Por algum tempo eu suspeitava que tentariam alguma coisa contra nós, baseado nos tópicos que discutíamos no fórum. Mas hoje em dia não temos investigado nada do tipo. Tudo está muito estranho"

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    Thomas afundou no sofá da sala. Sentia o corpo tão pesado quanto a mente. No andar de cima, Veronica abriu a porta do quarto e desceu as escadas. A esposa olhou-o com a expressão confusa de quem acaba de acordar e ainda tenta absorver o mundo.

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    "Thomas? Está tudo bem?"

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    Thomas colocou a ligação no "mudo"

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    "Está sim, amor. Estou no telefone com o Ed"

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    "Aconteceu alguma coisa?"

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    Ele pensou na carta. Pensou em Isaac.

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    "Não, não. Está tudo bem"

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    Veronica foi até a cozinha beber um pouco de água, então retornou ao quarto. Thomas retomou a conversa.

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    "Mas e se for verdade?", falou Edward. "É do Isaac que estamos falando aqui".

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    "Você está certo. Não sei se o convite é verdade, mas o que você descreveu, e o que eu presenciei... não são casos comuns. Estivemos procurando coisas assim as nossas vidas inteiras. Agora que nos confrontamos com o demônio, não podemos vacilar"

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    "Então você vai?"

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    "Vou"

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    "Eu diria que é perigoso irmos juntos, mas eu não vou deixar você ir sozinho. E, se for tudo verdade, preciso estar lá para dar minhas condolências à família"

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    "Te busco amanhã de manhã, então?"

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    "Fechado"

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    Thomas desligou o telefone com mais perguntas do que respostas. Levantou-se em um movimento afoito demais, e as costas reclamaram. Andou a passos lentos até a garagem, deixando a dor passar. Na garagem, encontrou um dos seus muitos kits que ainda guardava mesmo após a aposentadoria. Pegou o pó prateado e foi até a sala coletar digitais. Queria passar na Scotland Yard antes da viagem no dia seguinte, e usar seu status de "ex-funcionário exemplar" para cobrar alguns favores que ainda podiam ser cobrados.

    Por mais que tentasse, porém, não encontrou digital alguma. A janela, o sofá, o envelope: todos estavam incólumes. Estava lidando com um profissional - ou, agora entretia a ideia de estar lidando com algo sobrenatural. Para adicionar à crescente lista de mistérios, o pó prateado, apesar de não ter ajudado com as digitais, reagiu com outras partículas, destacando o que parecia ser uma camada de pó finíssimo, preto, como um rastro de poeira peculiar que o meliante havia deixado para trás, traçando um claro caminho da janela ao sofá, e então voltando à janela. Ele não fazia ideia do que era aquilo, mas coletou o material mesmo assim. Alguém nos laboratórios da Scotland Yard saberia informá-lo.

    Ao desligar o telefone, Edward voltou ao laboratório mergulhado em vermelho. A foto estava pronta. Nela, uma mão magra e de pele cinzenta, com os dedos alongados e afiados, nascia da escuridão e ajeitava, com cuidado, seu convite no chão.

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